Vencendo o Estado de Negação na Sprint Retrospective

Introdução

 

Sabemos que uma importante idéia dos processos ágeis, é a constante inspeção e adaptação que fazemos em cada pequeno ciclo (diário ou semanal) do projeto  de software, a fim de gerar um fluxo contínuo de melhoria no mesmo. Dessa forma, uma das ferramentas mais importantes para aplicação desse conceito, é a reunião de RETROSPECTIVA da Sprint (ou Sprint Retrospective) proposta pelo Scrum.

 

A reunião de RETROSPECTIVA é realizada ao final de cada Sprint, com a participação de todos os membros do time, junto com o ScrumMaster e com uma participação opcional do Product Owner, essa  reunião têm como principal objetivo,  avaliar “O que funcionou bem” na Sprint que terminou e seria interessante ser mantido na próxima Sprint e também levantarmos “O que precisa ser melhorado” na próxima Sprint, com base nas questões que não funcionaram bem na Sprint passada. 

 

Mas como podemos perceber, pela importância que essa reunião de retrospectiva têm dentro de um projeto ágil, é natural que os conflitos humanos se manifestem devido à pluralidade de personalidades que participam dela. E um dos principais efeitos psicológicos que são notados  nesses momentos, é a constante presença dos mecanismos de defesas  comuns à psique  humana.

 

Como o foco principal dessa reunião, é identificar  O que precisa ser melhorado”, é necessário explorar claramente  as falhas que aconteceram na Sprint passada e,  para que isso aconteça de acordo com o princípio ágil da Humildade,  é importante que todos sejam capazes de expor suas próprias limitações e fraquezas.

 

Por esses fatores, nessas reuniões de retrospectivas o mecanismo de defesa que emerge com mais facilidade,  é o famoso estado  de NEGAÇÃO, que segundo o pai da psicanálise Sigmund Freud, esse é o:

estado daquele que sabe mas não sabe”, ou seja é a “recusa consciente para perceber fatos perturbadores, que retira do indivíduo não só a percepção necessária para lidar com os desafios externos, mas também a capacidade de valer-se de estratégias de sobrevivência adequadas”.

 

A origem desse estado

 

            Sem entrar em detalhes profundos, vamos entender um pouco de onde vêm esse estado de negação, pois para tentar explicar esse universo da mente humana, Freud propôs três hipotéticas instâncias da personalidade:

  • Id – É o reservatório inconsciente dos impulsos que representa a necessidade de satisfação  imediata ou aquilo que realmente queremos.
  • Ego -Regido pelo princípio da realidade, o ego cuida dos impulsos do Id, logo que encontre a circunstância adequada.
  • Superego – Serve como um censor das funções do ego, com base  nos ideais do indivíduo, derivados dos valores familiares, sociais e culturais, o que se torna a fonte dos sentimentos de culpa e medo de punição, sendo o principal responsável pela nossa necessidade de projeção  de uma imagem perfeita do que somos para o  mundo em nossa volta.

 

            Devemos observar então, que o mecanismo de defesa da negação ocorre de forma inconsciente com base exatamente nos sentimentos de culpa e principalmente pelo medo de punição, pois de acordo com as atividades do superego, é da natureza humana, tentar projetar uma imagem perfeita para todas as áreas de relacionamento social, de maneira, que não aceitamos com facilidade que essas nossas falhas e deficiência se tornem públicas.

 

            Porém, apesar de ser parte da natureza humana, esse estado de negação, não é salutar para que as reais falhas que precisam ser melhoradas em um projeto, sejam descobertas, pois esse estado “cria um distanciamento entre o mundo tal como é e o mundo como o indivíduo gostaria que fosse, o que de acordo com o próprio pensamento de Freudnegação é um estado de apreensão racional que não resulta em ação adequada”, ou seja, com a existência desse efeito, perdemos muito da eficácia das ações corretivas nos Sprints, pelo simples fato, de não conhecermos as reais falhas ou suas principais causas.

 

 

Vencendo os obstáculos

 

            Claro que não existe uma forma mágica de suplantar esse obstáculo, mas como esse efeito traz certa ineficácia nas ações corretivas, é importante que tomemos alguns cuidados em identificar quando esse estado está impedindo  uma maior acurácia das retrospectivas.

 

            Existem algumas técnicas que o ScrumMaster pode usar para diminuir esse estado na equipe, dentre elas podemos citar:

  • Aplicação das ferramentas de processo raciocínio proposto pela TOC (Theory Of Constraints), para mitigar  as relações entre os efeitos indesejáveis, de forma a estabelecer de forma mais acurada, as causas raízes desse cada ramo de efeitos.
  • Criar constantes workshops de facilitação para alavancar o potencial de relacionamento e comunicação entre  os membros da equipe.
  • Criar um comprometimento do time com base no entrosamento que o mesmo vai adquirindo no decorrer das Sprints.

 

            Observe que em todas as possibilidades acima, é importante que o ScrumMaster tenha um aguçado “feeling” de relações interpessoais, de maneira que o mesmo consiga detectar os momentos que um membro entra em uma postura de negação em face de outros membros da equipe.

 

            Veja que apesar da importância do ScrumMaster detectar esse comportamento, não é o seu papel  ser o “cobrador” da equipe, mas sim, ele irá criar mecanismos para facilitar o processo e alavancar o claro e eficaz relacionamento entre os membros da equipe, de forma, que as possíveis falhas ou impedimentos do processo, possam ser visualizados de uma maneira clara, humilde e visando soluções colaborativas.

 

 

Conclusões

 

            Como você observou nesse texto, os mistérios do funcionamento da mente humana, são diretamente ligados ao desempenho das equipes em um projeto de software.

 

            Veja também que esse pensamento relacionado ao estado de negação, se aplica não somente na mecânica das retrospectivas, mas sim, se aplica em todo o ciclo do projeto, ou seja, essa postura de usar um mecanismo de defesa, pode ser manifestada diariamente, em uma inspeção de código, em uma programação em par, em uma reunião diária,  ou até mesmo, ao final das Sprints novamente, pois as equipes podem entrar em estado de negação também nas revisões do incremento de software (Sprint Review), por isso a atenção para prevenção ou para a dissolução desse estado de negação, deverá ser constante em todo o projeto.

 

            Portanto, creio que esse artigo atingiu seu objetivo de mostrar e propor uma reflexão aos  principais problemas relacionados ao comportamento humano, que impedem o bom funcionamento de uma Sprint, de forma que ao compreender e diminuir esses efeitos indesejáveis, tenhamos formas de maximizar o feedback em todos os níveis de um projeto, para que realmente possamos ter equipes auto-organizadas que gerem um ótimo ROI sobre o mesmo.

 

 

 

Referências:

         Livro de Psicologia “Mundo da Criança” de Diane E. Papalia, Sally Wendkos Olds e Ruth Duskin Feldman.

 

   Artigo Líderes em negação, Revista Harvard Business Review de Julho 2008

 

 

Sobre o autor:

Manoel Pimentel, CSP
Manoel Pimentel, CSP

 É Engenheiro de Software, com mais de 15 anos na área de TI, atualmente trabalha com  como Coach em metodologias para importantes empresas do segmento de serviços, indústrias e bancário.  É Diretor Editorial da Revista Visão Ágil, Possui as certificações CSM e CSP da Scrum Alliance e foi um dos pioneiros na utilização e divulgação de métodos ágeis no Brasil.
Contatos: manoel@visaoagil.com

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7 responses to “Vencendo o Estado de Negação na Sprint Retrospective”

  1. Belo blog sobre psicologia!

    Frequentarei aqui mais vezes!

    Esse post realmente tem a ver com o que eu procuro sobre psicologia! Adorei aprneder sobre o sprint retrospective!

    se quiser que eu publique algo de sua autoria, é só falar que eu coloco no meu blog com sua identificação e endereço do blog!

    da uma olhada no http://psicologiaparatodos.16mb.com

    abraços!

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